Antigamente muitos afirmavam que os cristãos não precisavam se aprofundar no conhecimento e muito menos estudar teologia, pois segundo eles: “A letra mata, mas o Espírito vivifica”[1].
De acordo com essa perspectiva, a “Letra” representa (va): o acúmulo de conhecimento que caducava a vida devocional levando-a a morte. Entretanto, os que defendem esse ponto de vista pecam ao confundirem espiritualidade com falta de conhecimento, afirmando que o cristão não precisa de teologia, mas de jejuologia.
No entanto, é preciso memorar que a geografia religiosa que albergou alguns setores do cristianismo ao longo de sua história[2] contribui para que muitos se apropriassem de clichês biblicamente ressignificados, através de uma retórica que se servia de passagens bíblicas, reinterpretadas com o intuito de desestimular os interessados pelos estudos teológicos. As expressões eram do tipo “Para que estudar Teologia, o que importa é jejuologia” “conhecimento até o diabo tem”, ou “o diabo e os demônios conhecem, mas não obedecem”.
Portanto, movidos por esse pensamento, muitos quando leem a passagem de II Co 3:6-9, realmente pensam que estudar a Bíblia mata a espiritualidade, por isso são categóricos ao afirmar que a “ letra mata”[3].
Entretanto por não lerem todo o contexto do referido versículo, confundem a letra da lei judaica que era a interpretação rabínica da lei feita por intermédio do talmude ou os 613 preceitos da constituição de Israel com a palavra de Deus.
É simples de se compreender essa passagem basta ler todo o contexto: “O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. E se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, se revestiu de glória, a ponto de os filhos de Israel não poderem fitar a face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que desvanecesse, como não será de maior glória o ministério do Espírito! Porque, se o ministério da condenação foi glória, em muito maior porção será glorioso o ministério da justiça” (II Co 3.6-9).
Neste contexto não se observa nenhuma alusão ao cânon fechado, pois a Bíblia, não havia sido totalmente formada, sendo que o apóstolo Paulo estava se referindo ao modo de interpretação da lei promovida pelos lideres do judaísmo que com preceitos judaicos sem vida só condenavam e apontavam sem nenhuma misericórdia.
Ao contrario do ministério do Espírito (Dispensação da graça) onde a salvação esta disposta a todos. Sendo que no referido versículo se compara a transitoriedade da lei judaica, em comparação com a graça, pois hoje estamos vivendo a dispensação do Espírito, no qual a Bíblia encontra-se totalmente revelada e não apenas parcial, pois isso a palavra não mata, mas traz vida, pois o Espírito Santo vivifica a palavra em nossos corações e a espada do Espírito é a palavra (Ef 6.17).
Portanto, devemos lembrar diariamente do conselho do apóstolo Pedro: “Crescei na graça e no conhecimento” (II Pe 3:6). Sendo assim, quando existe o equilíbrio entre Teologia e Fé, aí é gerado o equilíbrio na vida espiritual, pois o conhecimento bíblico também faz parte de um crescimento saudável e que nos aproxima de Deus, como bem destacou o teólogo e pastor Jesiel Paulino: ”Uma teologia espiritual é aquela que me leva a entrar acompanhado por Deus nas dependências de minha biblioteca. ”[4]
Por fim, se a letra matasse, não haveria tanta reverência com a palavra como houve por parte dos homens de Deus ao longo da narrativa bíblica, pois o conhecimento da palavra gera espiritualidade plena, sendo imprescindível que todo o cristão seja um estudante da Bíblia, principalmente aqueles que são ministros do evangelho.
Portanto, todo o obreiro deve estudar muito a Bíblia, estudar teologia, fazer cursos, faculdade, buscar o conhecimento e ler muitos livros, como o apóstolo Paulo, que além de ser um profundo conhecedor da palavra, lia também muitos livros ( II Tm 4:13). Vivemos dias em que as pessoas possuem muitos dilemas e inquietações sobre vários temas, e deste modo, precisamos do conhecimento bíblico e teológico (Cl 3:16; I Tm 3 E II Tm 2:15) para que possamos responder com amor e precisão a todo aquele que pedir a razão de nossa fé.
[1] MARTINS, Orlando. A Educação teológica formal e a experiência religiosa nas Assembleias de Deus no Brasil: Conflito e Dialética. Monografia (Especialização Lato Sensu acadêmica em Gestão e Metodologia do Ensino) – Curso de Pós-Graduação em Gestão e Metodologia do Ensino – UNIESC, 2017.
[2] Nas primeiras décadas do pentecostalismo no Brasil, muitos afirmavam categoricamente que a letra mata, e assim, muitos líderes proibiam os membros de suas igrejas de estudar teologia.
[3] A letra é uma referência clara de Paulo a Lei de Moisés. Em 2 Coríntios 3:6 o apóstolo dos gentios chama a Lei de Moisés de “letra”, no verso 7, chama de “ministério da morte” e no verso 9 de “ministério da condenação.”
[4] PAULINO, Jesiel. Teologia e Espiritualidade. III EEDUC: Encontro de Educadores Cristãos. Tema: Educação Para um Novo Tempo. Itajaí, 2002. p. 42.